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quinta-feira, junho 17, 2004

Diário da Índia 

O excerto seguinte é do livro "Diário da Índia" de Marcello Mathias, publicado pela Gótica.


Colombo, sábado, 9 de Abril de 1994

Visita às cinco da tarde ao ministro da cultura, W.J.M.Lokubandara. Pequenote, franzido, todo de linho branco vestido (parece que está de batina), o que lhe confere à silhueta dos ombros estreitos e olhar febril, uma acrescida fragilidade. Figura mirrada, apergaminhada, se assim me possa exprimir, que me lembra a do Srinivan. Budista, tal com a mioria dos cingaleses, diz-me haver contudo no governo católicos e muçulmano, a exemplo dos ministros dos Estrangueiros e do Comércio, e igualmente tâmiles.

(...)

Como bom budista que é, tem da vida uma noção cíclica e relativista.«Nós tivemos os Portugueses, os Holandeses, depois os ingleses, e tudo isto são contibuições que nos enriquecem tal como a vocês também.» Tenho notado que a peculiar noção de tempo que lhes é própria fá-los encarar como próximo coisas e factos ocorridos há séculos.

Reconhece depois que a grande ameaça para as nossas sociedades de hoje é a americanização, díficil de conter porque tentacular e omnipresente-«fala-se da aldeia global, da civilização universal, mas na prática isso corresponde a uma só realidade que é a aldeia americana, a cultura americana. No fundo, é como se os destinos do Mundo estivessem entregues ao governo de um só partido».


Embora se diga longe do Marxismo, lamenta «o desmoronar da União Soviética que, mal ou bem, representa uma alternativa».

Na Índia, este sentimento é ainda mais vincado.

Depois, bate ao de leve, uma vez, com a ponta do indicador no rebordo da pequena mesa á sua frente onde estão pousadas as chávenas de café. Refaz lentamente o mesmo movimento, e tem este comentário:«O dedo que tocou pela segunda vez na mesa já não é o dedo do primeiro gesto, tal como a mesa tão pouco é a mesma mesa. De igual modo, Voçê quando daqui sair já não será o mesmo homem que há pouco aqui entrou.»
e deixa-se ficar calado.

Pergunto-lhe que ilações extrai do que me acaba de dizer.
e ele, de olhar parado com um sorriso triste:«também a amaricanização acabará por passar...»


Colombo é no Sri Lanka, deixo umas imagens para poderem localizar.


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