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domingo, maio 01, 2005

1º de Maio 

Como hoje é o dia da mãe e também o dia do trabalhador, gostava de partilhar uma pequena citação do livro "A mãe" de Máximo Gorki.

A mãe olhava mais do que os seus olhos podiam abarcar. No seu peito estava cravado um grito, pronto a rebentar, pronto a soltar-se a cada suspiro. Sentia-se sufocada por esse grito, mas tentava contê-lo comprimindo o peito com as duas mãos. Empurrada por todos os lados ia vacilando, mas continuava caminhando, sem pensar, quase inconscientemente. Apercebia-se que atrás dela o número de pessoas diminuía sem cessar. Aquela onda glacial avançava em seu encontro e dispersava-as.
Os jovens de bandeira vermelha e as espessa cadeia de homens avizinhavam-se rapidamente. Distinguiam se agora claramente o rosto dos soldados, que pareciam estender-se em toda a largura da rua, unidos numa estreita faixa de amarelo sujo. Olhos, de cores variadas, olhavam de modo desigual, e as pontas afiadas das baionetas brilhavam cruelmente. Apontadas ao peito das pessoas, ainda sem lhes tocarem, conseguiram que, um a um, todos se afastassem.
A mãe ouvia atrás de si as passadas dos que fugiam. Vozes inquietas, abafadas, gritavam:
- Fujam, rapazes!
- Foge, Vlassov!
- Vem para trás, Pavel!
- Dá-me a bandeira, Pavel - disse Vessovchikov com ar sombrio.- Dá-ma que eu escondo-a.
Com uma mão pegou na haste. A bandeira oscilou para trás.
- Larga! - gritou Pavel.
Nikolai retirou a mão como se se tivesse queimado. O canto extinguia-se. Os jovens detiveram-se rodeando Pavel dentro de um círculo compacto, mas ele consegui abrir caminho À sua frente. De repente fez-se silêncio, como se uma nuvem invisível e transparente tivesse descido e envolvesse os manifestantes.
Debaixo da bandeira já não se mantinha mais do que um vintena de jovens, mas esses resistiam ainda.
A mãe tremeu por eles e sentiu um vago desejo de lhes dizer qualquer coisa.
- Pegue...nessa coisa, Tenente - ordenou a voz monótona do velho de grande estatura.
Estendendo a mão, designou a bandeira.
O pequeno 0ficial correu até junto de Pavel, agarrou na haste e gritou com voz esganiçada.
- larga!
- Tira as mãos! - disse Pavel com voz forte. A bandeira oscilou, vermelha, no ar, inclinado-se para a direita e para a esquerda até se erguer de novo.
O pequeno oficial assaltou para trás e caiu no chão. Vessovchikov passou na frente da mãe com um rapidez que ela não lhe conhecia. Tinha um braço estendido e o punho fechado.
- Prendam-nos - rugiu o velho batendo com o pé no chão.
Adiantaram-se alguns soldados. Um deles brandiu a coronha. A bandeira estremeceu, inclinou-se e desapareceu, no meio da massa cinzenta dos soldados.
- Ai! Suspirou tristemente alguém. A mãe soltou um grito, um uivo animal. Mas a voz forte da Pavel respondeu-lhe do meio dos soldados:
- Até à vista, mãezinha! Adeus, querida mãe!
?Está vivo! Lembrou-se de mim!? Estes dois pensamentos brotaram do coração da mãe.
- Ergueu-se na ponta dos pés agitando os braços, tentando vê-los. Por cima das cabeças dos soldados descobriu o rosto redondo de Andrei, que lhe sorria e lhe acenava.
- Meus filhos!...Andrei...Pavel...- exclamou.
- Até à vista, camaradas!
Respondeu-lhes um eco multiplicado, desgarrado. Vinha das janelas, dos telhados.


Este escritor foi um dos fundadores do realismo socialista e também responsável por ter enviado, enquanto "ministro da cultura", intelectuais para a Sibéria, para...tirarem umas férias. Como é possível que um génio destes, que esteve oprimido tantos anos, depois compactue com regimes totalitaristas? Será que não estava desperto para a Realidade? era um fanático?


Comments:
Pois assim parece meu amigo:
o Poder corrompe, e o Poder Aboluto corrompe absolutamente.
Obrigado pela colaboração no meu desafio :)
Have a nice week
 
Que boa escolha para uma coincidência feliz: uma homenagem às mães no dia do trabalhador! Ainda hoje são elas quem mais trabalha.
Quanto ao Gorki... são estas vicissitudes humanas...
 
um beijo enorme... desculpa a ausência, mas a minha casa virou um caos (sim, maior ainda...) e tenho andado numa correria...
 
Ontem quis comentar mas o servidor estava mal humorado...
Hoje é só para dizer que apreciei o «dois em um» deste Post. Muito certeiro, porque as coincidências são raras!
 
Esqueci-me de assinar aqui atrás e já agora aproveito para deixar um beijinho ao melga.
entrelinhas
 
Palmas, palmas, palmas...
 
Não sei porque é que andam por aí a dizer que dia 1 de Maio é dia da mãe. Na cultura do meu país, foi sempre a 8 de Dezembro!
 
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